O Mundo Não Era, Não É, e Não Será Somente de Abundância


O Mundo Não Era, Não É, e Não Será Somente de Abundância


"No fim tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim." e "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena." apenas para citar os Fernandos e, sem maiores pretensões, contextualizar o que estamos vivendo. E como não há fim e toda alma não ficará pequena, terá que valer a pena.



Estávamos mal-acostumados com um mundo perfeito e de abundância. Na verdade não era bem assim. Pelo menos não para a maioria. De acordo com o site worldometers.info/, até o final de abril, quase 4M de pessoas morreram de fome apenas nesse ano. E ainda segundo essa fonte, seguem outros dados que podem chocar. Nesse exato momento, 800M de seres, humanos, não tem acesso a água tratada, o que já causou um número equivalente de mortes ao Covid-19 em 2020. A AIDS causou o dobro e o câncer 10 vezes mais. Outros números do ano? 0,5M mortes por suicídios e 2.5M por álcool ou cigarros. Não é alarmismo, pessimismo ou qualquer outro "ismo". É fato. E fato que não é tão anunciado. Incomoda.

Fevereiro de 2020. Nos achávamos nascidos em berço esplêndido e a salvo de qualquer infortúnio. Acho que sim, somos abençoados por viver nos tempos mais seguros e de maior fartura da era moderna. Ao menos para quem lê essas linhas. Mas, a história da humanidade mostra alguns períodos bem diferentes. Milhões de pessoas morreram por pestes, invasões ou guerras. Muito se tem falado da peste negra ou da gripe espanhola, que mataram respectivamente 200M e 50M de pessoas em algumas das estimativas. Essa última infectou mais de 500M ou 1/4 da população mundial da época. Muito antes disso, ao redor da Era Comum, o estabelecimento dos grandes impérios dizimou, cada um, em extensões equivalentes a um Brasil, dezenas de milhões da forma mais cruel que possamos imaginar. Em outras tragédias da terra somente a escravidão levou a vida mais de 60M de africanos. Na revolução russa, apenas na Ucrânia 30M pessoas morreram de fome, no episódio conhecido como A Grande Fome. Não é sequer possível dimensionar a prova que é ter dezenas de milhões de pessoas subindo assim, incluindo famílias, amigos, vizinhos. E, as duas grandes guerras somadas tiraram da orbe outros 100M de seres humanos. No mesmo período, o holocausto levou a triste perda de 6 milhões de judeus.

Não estou minimizando a tragédia que estamos vivendo e o fato de que se for mal administrada poderá causar um estrago ainda maior que as piores projeções. E ainda temos, a subnotificação e o impacto econômico direto e indireto, que vai impactar fortemente a saúde, física e mental. O fato é que esse vírus nos tirou completamente da zona de conforto. Ele está muito próximo e aparentemente não distingue classes, cores ou crenças. As perdas já doem muito e somente quem vivencia sabe o quanto. Reforço que, para quem está sofrendo, as estatísticas não fazem a menor diferença. Entretanto, para a grande maioria, que vem reclamando e ocupando seus dias assistindo lives de executivos, de sua banda preferida e tomando vinhos com sua turma de amigos, esse momento é e, se assim permitido, será tranquilo. Oxalá! Nesse caso você e sua família terão saído com saúde e com renda ou pelo menos com uma reserva que traga um pouco de tranquilidade.

Se você está em casa protegido e podendo trabalhar home office, cito um exemplo dos EUA, onde somente 29% dos que ainda tem um emprego podem se dar ao mesmo luxo de trabalhar de casa. Tem muita, mas muita gente por aí trabalhando por nós nas ruas. E apesar do vírus ser universal a vida faz ser desigual. No mesmo exemplo acima, dentre os 25% mais pobres 9% tem a condição de estar em casa, enquanto para os 25% mais ricos o % aumenta para mais de 61%. Parece afinal que ele não é tão igualitário assim.

Estamos em um planeta sofrido, onde temos uma missão, muitas vezes esquecida, de estender as mãos para além de nossas varandas ensolaradas. Pode não parecer mas sou, por natureza, otimista. No entanto, um pouco de realismo é necessário já que não estamos vivendo somente uns meses de sacrifício por ficar em casa. Voltando a questão econômica, consideremos o período de 4 semanas após o início de cada crise econômica norte-americana, desde os anos 70. A Covid-19 foi responsável por 22M de pedidos de seguro desemprego, apenas nos EUA. O equivalente a mais do que a população do Chile. O segundo maior evento, com 2.7M, foi na depressão de 1982. Em 1929, quando aconteceu a chamada Grande Depressão, que colocou fim aos Roaring Twenties, o desemprego saiu de 4% para mais de 27%. Ainda não é possível ter uma noção exata do que teremos adiante, mas de acordo com o site da taxfoundation.org o pico semanal de desemprego no início dos anos 30 foi de 0,78% enquanto o de agora já bateu 0,88%. Esperemos que com todos os mecanismos e conhecimentos econômicos de hoje um dano ainda maior seja mitigado.

Todos esses dados são fatos. Não há tempo para ser Poliana tampouco o cavaleiro do apocalipse. O que quero dizer com tudo isso é que o que estamos vivendo é tão doloroso quanto sempre foi, e ainda era (é) para maior parte dos habitantes do globo. É a Terra. Ela não é boa nem ruim. E ela não acabou, nem vai acabar. A vida dos que estão indo não terminou. Eles e nós viveremos muitos outros tempos melhores, com muitos percalços, mas tudo vai sempre seguir...

Ajustem suas lentes, pois temos uma grande oportunidade adiante. Talvez nem todos consigam enxergar, já que qualquer transformação costuma ser dolorosa, mas um mundo novo vai surgir e, ao final, quem entender sairá mais humano e fortalecido. E, podendo fazer uma adaptação dos ideais da Revolução Francesa para os tempos atuais, eu clamaria por Comprendre, solidarité, fraternité...

Leonardo Amaral Lopes

Fontes: Financial Times, US Department of Labor, Tax Foundation, Visual Capitalist e A história do mundo para quem tem pressa, de Emma Marriot. Ah, e claro, o Google, que minimiza a chance de passar vergonha.

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